quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Sobre o eco das palavras

À Conceição Lima, em jeito de homenagem no oitavo ano do "A Hora da Poesia".
O agradecimento nunca é vão.



Sobre o eco das palavras


Não aproximes o teu ouvido da minha boca
que as minhas palavras não são de veludo
nem perscrutes o meu olhar
não vás encontrar duas gargantas alcantiladas
repletas de espinhos que ferem ou de lâminas de escoriar.

Nós que nos queríamos preparados para tudo,
o tudo que aparecesse mesmo que atiçado
por um fole de sofrimento,
afinal não soubemos pesar a realidade e
deixámos que todas as aves rituais voassem sem regresso
e todos os predadores terrenos caçassem
no nosso mais apetecido futuro.

E ficou-nos a amargura da
nossa própria incapacidade de vozes sem eco.

Os nossos caminhos fazem-nos doer os passos
e nas mãos os dedos encarquilhados
impedem-nos os gestos
recordando antigas fobias
quando as escondiamos dentro dos bolsos.

(http://joaoolhosnomar.blogspot.com/)

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Das dunas

Recolho uma joaninha nos chorões das dunas.
Vermelha e negra.
Frágil. Muito frágil.
E recordo imagens e tempos.
Também existem dunas no tempo e chorões que as mantêm
e fazem frente ao vento e às vagas
que nos marcam os dias.
Dias, muitos, passados a olhar o mar,
a imensidão até ao horizonte que nos escapa,
permanentemente.

E a joaninha percorre os meus dedos num redopiar sem fim.
Cansada do labirinto do jogo
abre as asas e parte e não consigo segui-la com o olhar
de tão pequena e frágil que se mistura com a natureza sem deixar rasto.
Ao contrário de mim a joaninha não tem recordações
nem pensa voltar ao meu labirinto.