segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Cadeia de União



...

E um dia alguém também dirá que aqui nos reunimos. 
Não dirá nomes, apenas
que aqui estivemos de mãos dadas, de olhos fechados ou de cabeça inclinada em sinal de recolhimento.
Alguém um dia também dirá que aqui nos continuou e nos fez permanecer na memória desta sala, através das mesmas mãos dadas, com força, unidas, daqueles que nos sucederam.

Que mantenhamos os nossos corpos os fortes troncos e os nossos braços os fortes ramos, as nossas mãos as hastes finas que se entrelaçam com as das árvores que nos ladeiam, e fazendo correr entre si a seiva/pensamento já tão antiga daqueles que aqui estiveram antes de nós, façamos, através dos novos frutos e novas sementes, perpetuar o futuro daquilo em que acreditamos – um Homem nobre, livre e de bons costumes, que derrote a soberba, o egoísmo e a desigualdade e faça a solidariedade vencer porque os outros são o nosso destino e a Fraternidade a razão de ser da nossa própria construção.

2016

Miguel Gomes Coelho
(joaoolhosnomar.blogspot.com)

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

 Resultado de imagem para labirinto


Os túneis do labirinto


Na verdade, sou a minha descoberta
rastreando os túneis do meu próprio labirinto e
nos olhos dos outros
o que em mim mais não consigo descobrir.
Mesmo convivendo com a mágoa
que se aninha na cama do frio espanto
sou a mão que rebusca no meio das vísceras
                  o que sobra além da carne e dos ossos.

(joaoolhosnomar@blogspot.com)

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Sobre o eco das palavras

À Conceição Lima, em jeito de homenagem no oitavo ano do "A Hora da Poesia".
O agradecimento nunca é vão.



Sobre o eco das palavras


Não aproximes o teu ouvido da minha boca
que as minhas palavras não são de veludo
nem perscrutes o meu olhar
não vás encontrar duas gargantas alcantiladas
repletas de espinhos que ferem ou de lâminas de escoriar.

Nós que nos queríamos preparados para tudo,
o tudo que aparecesse mesmo que atiçado
por um fole de sofrimento,
afinal não soubemos pesar a realidade e
deixámos que todas as aves rituais voassem sem regresso
e todos os predadores terrenos caçassem
no nosso mais apetecido futuro.

E ficou-nos a amargura da
nossa própria incapacidade de vozes sem eco.

Os nossos caminhos fazem-nos doer os passos
e nas mãos os dedos encarquilhados
impedem-nos os gestos
recordando antigas fobias
quando as escondiamos dentro dos bolsos.

(http://joaoolhosnomar.blogspot.com/)

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Das dunas

Recolho uma joaninha nos chorões das dunas.
Vermelha e negra.
Frágil. Muito frágil.
E recordo imagens e tempos.
Também existem dunas no tempo e chorões que as mantêm
e fazem frente ao vento e às vagas
que nos marcam os dias.
Dias, muitos, passados a olhar o mar,
a imensidão até ao horizonte que nos escapa,
permanentemente.

E a joaninha percorre os meus dedos num redopiar sem fim.
Cansada do labirinto do jogo
abre as asas e parte e não consigo segui-la com o olhar
de tão pequena e frágil que se mistura com a natureza sem deixar rasto.
Ao contrário de mim a joaninha não tem recordações
nem pensa voltar ao meu labirinto.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O forno do pão



Olho o forno do pão
e acredito que para muitos pode parecer um altar.
Será um sacrifício a sua abertura,
o seu cheiro,
a perspectiva do saciar da fome.

O que não fará um ser com fome ?
Até será capaz de rezar.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Crisântemos e miosótis


Ainda tanto importa
acordar numa manhã pintada de crisântemos
com o cheiro doce da terra ensopada da nebelina,
como adormecer no recato da mais profunda gruta
olhando a ternura das gotas que escorrem
lambendo a pedra húmida
como pequenas pérolas cadentes
daquele céu de pedra.

Em recantos dos caminhos
nascem espontaneamente miosótis;
o Sol cria a luz e a sombra que nos ampara
e as núvens, além de nós,
o branco e o cinzento dos dias.
Daqueles pequenos sóis azuis, além do belo,
apenas a recusa do esquecimento.
Sentem-se risos de criança e sorrisos tardios de velhos.
Tudo nos recorda desejos de vida.

Negam-se olhares de soslaio,
as portas estão abertas e não há sinais de respiração ofegante
mas existem sinais de gente.
Uma amena música soprada pelo vento
afaga-nos os sentidos.
Seria belo assim o nascer e o entardecer.

Ao certo
apenas sabemos que os miosótis ciclicamente irão murchar
e o caminho será novamente escuro e sem memória
até que voltem a nascer espontâneamente
e a beleza e a recordação recuperadas.

Miguel Gomes Coelho

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

O mensageiro do tempo


de Miguel Gomes Coelho

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Ante



Encontrar-nos-emos no campo das mágoas
onde se plantam gritos de desventura
e se abatem as árvores do desejo.
Construiremos um novo relógio
que não meça o tempo
apenas nos diga quantas feridas existem
e quantas faltarão para o embarque final.
Aí, daremos as mãos, fecharemos os olhos
e aguardaremos o remédio dos dias.
Até ao fim. Até ao fim.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019


Mediterraneo

As ondas que batiam
sob o casco duro
pontuavam o sentir da dor e do medo,
os murmúrios rezados ,
o pasmo gritado face ao terror
naquela leva de morte anunciada.

Outras, plenas de espuma,
espraiavam-se junto à costa,
onde havia quem, torturando mentes e corpos,
provocava a revolta à qual,
recusando o dano obsceno do tráfico
ou a impiedade face ao ser humano,
não viravamos as costas
esquecendo os grandes valores.

Dos mais felizes ficavam as pegadas
na areia molhada ou a recordação na pedra dura dos cais,
mas muitos outros tinham já sucumbido
ao fim silencioso e rápido
de quem naufraga num mar também feito de morte,
também feito de mágoa e de memória .

Até Neptuno, se entristecia com tanta frieza.

Até eu, que não acredito em deuses, me revolto e
acabo por ter dificuldade de acreditar também nos homens.

Tertulia "À Margem" , em 4.9.2019, 
apresentação da Poesia de Miguel Gomes Coelho.

A imagem pode conter: Miguel Gomes Coelho

domingo, 1 de setembro de 2019

Fim de tarde

O entardecer está calmo e sem vento.
Do Sol apenas o reflexo do espelhado das janelas.
Até os pombos andam calmamente pelos passeios vazios.
Ecos de uma peça de música clássica assomam de uma janela entreaberta.
Numa varanda alguém lê um livro interessadamente.
O Mundo está calmo por estes lados.
É-se levado a não querer ouvir nem as notícias
não vá o diabo tecê-las...
É-se criminosamente levado a esquecer o que se passa para lá da nossa rua.
Hipocritamente,
fingimos que nos dói o peito quando se sabe do sofrimento.
E na verdade dói de tanta hipocrisia.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Hora da Poesia - Rádio Vizela

www.mixcloud.com/Radiovizela/hora-da-poesia-entrevista-a-miguel-gomes-coelho-10072019/?fbclid=IwAR095cmi1MHhzKytias_ssHY3hooCm5P2TqODIjm7wqMVCSvvwpV-XiMQTs

sábado, 17 de agosto de 2019




A decisão de Quiron

No cruzamento dos caminhos
vagueio na companhia de Prometeu.
Também rebento cadeias, enfrento águias que me devoram,
assolo fráguas que queimam e ofereço aos homens o fogo.
Recordo Quiron e até abdico  da eternidade.
Continuam a existir Hidras de sangue venenoso.
Como Quiron, troco a eternidade pelo fim da dor.
Enfim, enfrento os deuses e torno-me homem.
Miguel Gomes Coelho