quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Renascimento e reencontro


Não necesito de uma improvável estrela
para saber por onde vou.

O meu caminho é o da Terra e dos Homens
da água, do húmus, das árvores,
das mãos entrelaçadas, dos corações irmanados,
do pensamento gregário.

Por aí, sim,  renasce e reencontro, cada dia,
o meu Natal.

12/2010

domingo, 12 de dezembro de 2010

Afectos

(Imagem: acrílico s/tela)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Início


Teus olhos lacrimejantes
duas pétalas de flor orvalhada
soriam à feliciodade de haver no mundo
um ser a quem amar.

Colhi essas pétalas na retina
dos meus olhos tornados mansos
e recoloquei-as em pensamento
numa corola doce branca
numa haste fina e sem espinhos.

Tudo plantei no húmus fértil
do campo por lavrar da nossa vida
e reconstitui-te;

recordei-tre
olhando para mim
lacrimejante
quando mais uma vez te disse .
-Meu Amor !

Arquivo-1970


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Contador de enganos

Nunca abras um espelho;
nunca queiras ver o que lhe ficou gravado na memória. 

(Imagem: Acrílico s/ tela)

sábado, 13 de novembro de 2010

Dardos - II

Quis a extrema benevolência de Nuno Sotto Mayor Ferrão, através do seu "Crónicas do Professor Ferrão (http://www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/)  atribuir ao "João" mais um Dardo.
Agradeço-lhe, sinceramente, considerando, contudo, que os pressupostos da atribuição serão demasiadamente exagerados para o mérito do que por aqui se "passa".
Não indo repetir as condições do prémio mas para que seja, de novo, obrigatoriamente solidário, passo a nomear:

Tempos de Hiram


Não, não muda !
Fartam-se de matar Hiram
mas esquecem-se que Hiram não morre
nem os seus matadores apesar de justiçados.

Hiram e os seus assassinos
renascem sempre
e tudo volta ao início
porque as acácias também se renovam.

(Imagem: Acrílico s/tela)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prémio Dardos


«O Prémio Dardos é o reconhecimento dos ideiais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc.... que, em suma, demonstrem a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras e as suas palavras. Estes selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.»

Quis a minha Boa Amiga Ana Paula Sena Belo, do excelente "O Fio de Ariadne", atribuir ao "João Olhos no Mar" o Prémio Dardos.
Companheira destas lides de "gostar da escrita", acarinha-me sempre com a suas palavras e a sua permanente companhia e atenção. Agradeço-lhe, por isso, profundamente .

O Prémio Dardos tem as seguintes regras:

-Exibir a imagem do Selo no blogue.
-Revelar o link do blogue que me atribuiu o Prémio .
-Escolher 10, 15 ou 30 blogues para premiar.

Dando seguimento ao último quesito das regras, nomeio os seguintes blogues:

História de um retrato

Com palavras molhadas nas tuas cores
te fui escrevendo
minha cidade de céu azul quase branco
do casario escadeado desde o castelo,
de sombras, muralhas e muros
salpicados pelo verde fresco das árvores
e das trepadeiras.


Cidade do rio mágico
a chamar-nos a todos ,
como às gaivotas,
que também, como todos nós,
nascem no rio !


Cidade velha
das casas ternuramente velhas,
que nos invade ao passar
como que a deslindar histórias
e a ficar com a nossa
que passa, agora, também a ser sua.
 
(Imagem: Acrilico sobre tela)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Natural


A propósito de uma fotografia de Astrid Noël .

(Imagem:Acrílico sobre tela)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

T de AMAR


Se de alguém a memória moldará a recordação
de ti será !

Que te quizeste fazer passar, quase transparente,
pelo fundo dos espelhos das fadas;
pela penumbra dos cantos
das salas apinhadas;
pela água pura das fontes
das escarpas do teu caminho.

Pelas muitas janelas abertas
a tua luz entrará iluminando, para sempre,
todos a quem deixaste o suave desvelo
do teu abraço aconchegado
e as carícias das pétalas das tuas mãos.

1,11,2010


(imagem: acrílico sobre papel)



sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mão-tenente


Tal como quando me sorri o sorriso
me dói a dor
só que a dor não passa...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Prosopopeia


Acabei de escrever sobre um dilema...
E utilizei muitas cores...
Lá por ser sombrio não quer dizer que não tenha cor.
O que importa é que distinga a dualidade,
que nos convide à reflexão.
 
Escrevi uma prosopopeia,
um discurso veemente,
um murro visual, que qualquer um entende...
ou penso eu que entende...
que isto de pensar pelos outros
também tem os seus quês...
e os seus porquês...
mas como, considero eu, que é tão simples
nem me passa pela cabeça que não entendam...
só se não quizerem entender...
e, afinal,  vendo bem, talvez haja quem
não queira entender...
ou não lhe interesse entender...
que essa coisa do interesse também tem muito que se lhe diga..
no melhor desinteresse cai a nódoa...
a gente sabe que assim é, há muito, talvez desde sempre...

Mas, e afinal, a dualidade do dilema?
Que se lixe !
Passa a dividir-se em duas unidades
e cada um utiliza uma como quizer...


(Imagem: pintura em acrílico s/tela)

domingo, 17 de outubro de 2010

Os olhos

between_hello_and_goodbye_by_bark-d2z2p5v.jpg (640×472)

Reencontrei-a nuns olhos inocentes
abertos de espanto
num prenúncio de cinzas.
No vazio do espelho
a respiração já não batia as asas
e um pássaro
no parapeito da janela
mudou de cor ao levantar voo.
Cresceu um poço de silêncio
arrastando sombras
afundando claridades.
Comprendi que de novo
um amanhã se dissipara.
Só as flores da vendedeira
mantiveram o viço
porque eram necessárias
para o dia seguinte.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Os pés do mensageiro

tumblr_m2xetfBXtJ1qz4jkvo1_500.jpg (500×347)

Se Deus existisse
as pedras lançadas em seu nome
transformar-se-iam em água,
saravam feridas, purificavam actos;
mas Deus, se existiu, morreu
e não deixou testamento
nem descendência.

(Imagem: © Rui de Almeida Cardoso - facebook.com/racfotomkt)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Momento


Não li uma linha
nem escrevi uma frase
mas tive um poema nos meus braços
e declamei-o com toda a força do meu silêncio
não fosse alguém quebrar-me o encantamento.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Libelo


Eu não quero voltar a Hiroxima ...!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Nocturno

media_floresta-negra-7819b.jpg (357×280)


À Filipa

Disseste que me ias trazer mais vida.
Não consegui adormecer.
Os velhos da floresta
não adormecem nas promessas de vida
nem nas perspectivas da morte;
esperam sempre que se cumpram.
E cumpriste o voto !
Por isso me sinto solar
mesmo que a noite perdure.

sábado, 10 de julho de 2010

Treffen in Oldenburg

Tempo%5B1%5D.jpg (308×320)


Por fim, encontrei-te !

Espero que tenhamos muito tempo
para conversar.

Quero ensinar-te
tudo o que aprendi e
o que descobri no vogar dos dias .

Andar pela vida não é fácil
mas é bom. É bom viver,
aprender e amar. É bom
o olhar o mar, o sentir a terra,
o inebriar-se com o cheiro do campo molhado,
com as cores de uma seara em pleno sol;
o admirar o voo das aves
e o labor das abelhas e das formigas;
saber que os homens podem ser
como as árvores,
que as suas mãos podem ser conchas e
os seus braços ancoradouros
como num oceano mágico..

E não vou esconder-te nada!

Vais saber que as lágrimas
não caem só dos olhos,
que o peito também grita,
que há braços que rebentam cadeias e
que da boca não nascem só sorrisos
e, também,
que existe sangue,
muito sangue, e não só nas veias;
que podem aparecer trevas em pleno dia
como acontecer uma luz fulgurante
capaz de transmudar o escuro.

E que de dentro de ti
podem brotar cores e palavras,
manchas e silêncios,
sons e movimentos de beleza incalculável,
ruídos e quietudes inexplicáveis,
saberes e incógnitas ainda por descobrir.

Saberás ,também, que um dia
prepararás a tua partida,
e sentir-te-ás , certamente
porque cumpriste a vida,
contente pelas sementes, feliz pelas raizes,
realizado pelas árvores.

Súbito,
um vento frio atravessará o meu caminho;
hão-de se me secar as palavras
e desvanecer as recordações;
terei chegado ao fim do meu mar...
E nessa altura
tu continuarás sem mim
- ou comigo
se recordares as nossas conversas -.

Serás tu, então,
com os teus amores e pensamentos,
a apertar mãos e a trocar sentimentos,
a contar o que os teus olhos viram
e as palavras que ofereceste,
a escolher a tua companhia
e a transmitir-lhe o que aprendeste.

Contudo, recorda-te sempre:
Os espelhos para onde olhares
apenas falarão de ti . Esquece-os !
Recusa, sempre, pensar-te só.
O destino é de colmeia;
só aí te justificarás.

É muito importante que assim seja!...

E, apenas por isto,
já terá valido a pena
este nosso encontro em Oldenburg.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Saudade



Continuo a pintar-te de memória
e não quero terminar o quadro.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Uma tenaz dentro do peito


À
Ana Paula F.

O jugo
o sangue do bruto
no acerado espigão
o comando
o cornaca
no dorso do elefante.

(A revolta da mão
às palavras que escreve
a ira da mente num poema de febre
os lábios que se recusam
a pronunciar a escrita
a alma livre
que repele
luta e grita
o poeta que aponta
no absurdo
a verdadeira ponte
que lhe atravessa o espírito
e se despenha na folha de papel).

Miguel Gomes Coelho - De Coração na Mão
Ed. Autor - 1978

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Agir



A necessidade
imperiosa
de reagir.

O ignorado escudeiro
ergueu-se ante o monstro
e o poeta encontrou
novo tema
para ajudar a cantar
a força real
oculta
submetida
das mãos dos homens
que sonham
rebentar cadeias.


Miguel Gomes Coelho- De Coração na Mão
Ed. Autor - 1978

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Recobro


vazio.jpg (425×323)

Desaperta o coração apertado.
Refaz o tempo desfeito;
recusa esse vácuo perpendicular ao tempo,
o vazio que se esconde no peito.


sábado, 5 de junho de 2010

O escorrega

De tempos a tempos
a ideia da morte, talvez próxima,
brinca comigo como criança
em manhã de  parque infantil.

Que venha !
Adoro brincar...

terça-feira, 1 de junho de 2010

A criança tem direito


A criança tem direito a uma casa azul
A criança tem direito a um Mundo são
A criança tem direito a uma cor     a uma fala     e a um campo
A criança tem direito a uma ninfa verde     a um céu     azul e branco
A criança tem direito a uma espiga
A criança tem direito a um livro
A criança tem direito a uma bola de cristal
    à chegada de um cavalo apocalíptico
A criança tem direito a uma lágrima
    e a um olhar brilhante
A criança tem direito     enfim     à vida.

Miguel Gomes Coelho - De Coração na Mão
Ed. Autor - 1978

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Campânula

Entre uma paisagem de Lisboa demasiado clara
e uma tentativa de retrato fica um grito pela natureza
e um jardim de mulheres em pose fotográfica.
Ainda restam uma conversa de máscaras lívidas
num fundo escuro e difuso e uma velhinha
lendo o jornal junto à janela ensolarada e ao cão sentado a seus pés.
Ainda um jogo geométrico de cores, um jornal antigo,
um conto, três retratos a carvão.
Assim o espaço que defronto onde ainda persigo,
 incansavelmente, o tempo que falta .
Um diálogo de mãos e olhos, saberes e ignorâncias,
 sorrisos e choros, ternuras e ódios, difícil mas íntimo
e tal como tudo o resto, sempre inacabado.

domingo, 23 de maio de 2010

Esta enorme alegria

planta.JPG (352×400)

de poder sentir crescer as plantas...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Continuar

ceu.jpg (500×375)

Embora cinzento o tempo
sinto as núvens brancas.
Pressinto, mesmo, alguns verdes...
É bom pressentir a cor verde nas núvens brancas;
é bom pressentir um leve sorriso no cinzento.

Diziam-me ontem : Que bom !
O sentir que a boca se entreabre e existe luz...
Que bom, digo eu !
Que posso adormecer com um sorriso nos lábios...


sábado, 1 de maio de 2010

União


(Recordação da Feira Franca)

Eram grupos
pequenos magotes de gente       falando
uns com os outros discutindo
a palavra como arma
a palavra     o gesto     a voz     o timbre     a altura
a palavra     a arma de ontem     hoje     amanhã     futura
a minha e a tua
a minha vai vestida     a minha vai nua
e a tua ?

Eram pequenos magotes de gente
aos centos na grande praça     no mercado
da palavra e das ideias
a falar livres os pensamentos
tu cá tu lá
a palavra precisa e a imprecisa
o consciente e o inconsciente
o certo e o incerto
mas decerto ...
era o campo mais livre     o mercado mais franco
o renascer mais belo
da existência talhada a cutelo

e condenou-se a fábula :
o rato tinha parido uma montanha ...

 Miguel Gomes Coelho
De coração na mão - Ed. Autor - 1978

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril de 1974 - As razões



E esta raiva que nos tritura
pouco a pouco os pedaços
este ódio de sepultura
ao morto já putrefacto
que se lhe não apodrece nas entranhas
este amar os outros
permanente nos nossos passos
levar-nos-à a supotar
este nosso quoitidiano desejo
de querer desbaratar montanhas.

Poesia- Miguel Gomes Coelho/ De Coração na Mão- 1978

Havia que gritar bem alto



havia que esconjurar o medo...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Via



Espera! Não te excites...
Não vês que o dia está tão calmo
que até o teu cão dorme profundamente
enroscado aos teus pés ?

Podes estar sentado no banco do jardim
sem sobressaltos; o tempo está ameno e
aqui e ali, de ramo em ramo,
pequenos pássaros soltam píus e dão-se
a uma juvenil brincadeira de toca-e-foje.

E repara que há mais gente
passeando calmamente pelas veredas, ouvindo
também os pássaros e sorrindo
da sua brincadeira.

Toma uma decisão !

Transporta toda essa calma para dentro.
Ocupa o teu banco de jardim que está vazio,
põe as tuas aves também a brincar e a piar
faz uma festa aquele outro cão sem o acordar
e fica-te, sem mais nada,
a aguardar que as tuas plantas, na tua primavera
iniciem a festa do perfume.





quinta-feira, 25 de março de 2010

Orgulho


Ver o alargar firme dos teus passos,
a impressão clara das tuas pegadas,
o sentido recto da tua existência,
a firmeza solidária das tuas mãos,
o sentido corajoso do teu pensamento.
a clara assunção das tuas raizes.

Por isso hoje o sol te brilha
e a lua te embalará.

E tudo apenas por ti
como que numa tradição maldita
de que todos nos orgulhamos.


Um beijo, filho!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Irene Sendler - este poema podia ter-lhe sido dedicado

irena5.jpg (258×373)

Hoje não canto as núvens verdes
constato outras verdades
não me perfura o peito o grito alegre
de que o céu é azul e o homem pode ser branco.

Hoje sinto dentro do peito
uma mão férrea que me esmaga o coração
pergunto a mim próprio
como foi possível a noite em pleno dia.

Hoje como nunca, talvez por ignorância,
acuso as páginas que mancharam a História
acuso o homem como Ser
que como carrasco tentou entrar na glória.

Sim, hoje, como nunca até agora
recordo Albert Schweitzer e Martin Luther King
hoje que como homem me envergonho
de Majdanec, Belsen, Treblinka e Auschwitz.

Hoje de verdade não grito as núvens verdes
nem os alegres campos nem o alto dos planaltos
hoje não canto nada que seja humano
e não cantarei enquanto houver recordação.

De Coração na Mão - Ed. Autor - 1978

sexta-feira, 19 de março de 2010

Dia do Pai (além dos outros 364)

Tinha 11 anos e o desgosto da perda ainda recente do pai .

Nessa altura já escrevia os meus versos, fundadamente, tristes.
Mas hoje é Dia do Pai!
E em jeito de homenagem minha, eu que já sou avô :
Hoje Te recordo, mais de 50 anos passados, com os 4 primeiros versos de um poema que te era dedicado, escrito em 6 de Junho de 1959.

"Oh! Pai, sempre te amei
Sempre gostei de ti
Agora ainda mais te amarei
Mas já não estou ao pé de ti."

E o que é verdade Paizinho, continuo a amar-te apesar da distância e do tempo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Sentimento






...pintar um poema
   escrever uma tela
   e sentir que se é ouvido...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Uma ave

que só pode voar...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Carnaval ?




Quotidianamente
a perseguição
sempre      a máscara
no fingimento permanente desta peça.

Que importa quanto um homem meça ?

Que importa ?

O importante é ficar
sempre distante
cristalizar em suspensão
ter sempre saída para um aperto de mão.

Mas quem homem
é capaz de ficar quêdo ?

Não é homem !
Não é homem !

Que um homem tem medo
mas sentir na boca o gosto azedo
da traição ulcerada
é vómito      agonia lenta
ser podre      muito podre
vale mais sedr nada !

Mas quotidianamente
de novo a hipocrisia ...

E a marcha arranca e ri ...
que importa quem sofra acolá ?
O que importa é quem ri aqui !

Quem importa     quem desce
as areias movediças
que importa quem decresce ?
Vivam as caras postiças
que as faces não mostram
antes ignoram
porque nem sequer fingem
e morrem
de pedras roliças feitas
sem arestas nem gumes
acres     cruas
pulverolentas
prostitutas.

Prostitutas !
Sim, prostitutas !

Vendidas e definhadas
cada dia mais vendidas
mais pulverolentas     putrefactas.

Pasmo de nojo...
Cuspo !

De Coração na Mão - Ed. de Autor -1978


sábado, 13 de fevereiro de 2010

Rogo

1305860647783_f.jpg (320×320)

Olha para mim!
Olha para mim !!
Olha para mim, por favor!

Repara,
não sou só carne...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Memória (4)

                       

  PANFLETO

O poeta não mais se sentou para escrever.
Os seus poemas foram apreendidos.
Não mais se ouviu falar do poeta
porque o poeta foi preso.

E interrogaram o poeta
e torturaram o poeta
mas o poeta não gritava
mas os olhos do poeta gritavam
não de dor mas de raiva;
e os olhos do poeta tinham lágrimas
mas as légrimas não eram palavras do poeta.

Reconsiderou:
O poeta jurara não chorar
                       não voltar a chorar
e o poeta deixou de chorar
e o poeta começou a rir
e bateram no poeta por ele rir
enquanto devia chorar pela tortura;
e queriam que o poeta falasse
mas só recitava os seus poemas de ataque
porque o poeta jurara não denunciar
porque o poeta jurara continuar
a olhar o mundo nos seus olhos de poeta
porque queria continuar a ser poeta.

O poeta queria continuar a falar livre
e roubaram a fala ao poeta;
o poeta queria continuar a escrever
e roubaram a escrita ao poeta;
e quizeram roubar-lhe o pensamento
mas o poeta continuou a pensar
e o poeta recomeçou a olhar
e roubaram os olhos ao poeta
por ser perigoso um poeta olhar.

Cego, mudo e sem escrita
mandaram o poeta embora
e o poeta foi passear na rua
e o poeta era cego
e o poeta era mudo
e o poeta não podia escrever
e voltaram a prender o poeta
porque os outros olhavam para ele
e reconheciam o poeta
porque ele era o poeta
e continuava a falar
                      a ver
           e a escrever
nos olhos das pessoas que passavam.
E o poeta foi condenado
e mataram o poeta
e enterraram o poeta
mas o poeta continuou a viver
na memória os que o conheceram
                                          leram
                                       falaram
                                   e olharam
porque um poeta não se mata
                           não se cala
                           não se venda
                           nem se vende
porque é POETA.

E quizeram lavar o povo
para desaparecer dele o poeta
mas o poeta era o povo
e até ao último homem-são
existiria sempre o poeta.

O poeta está morto
mas vive
vive sempre
enquanto houver homens que lutem
que digam a pleno peito
sem medo e com orgulho
EU-SOU-POETA !!

Viva o poeta !
Viva o Povo !
Viva o Povo que é Poeta !

Março, 1971
                                                             




Memória (3)


Em 28 de Fevereiro de 1975 teve lugar em Benfica, no Liceu D. Pedro V,  o 1º.Recital de Poesia Revolucionária, numa organização da Secção do Partido Socialista.
Bons tempos! Hoje talvez fosse inacreditável juntar numa só realização os vultos das letras que ali se reuniram e leram trechos de obras suas, os declamadores consagrados e os desconhecidos que leram escritos de sua autoria.
Não, não estou a brincar!
Ora vejam:
Maria Barroso, Virgílio Ferreira, Mário Cesariny de Vasconcelos, Álvaro Guerra, Dórdio Guimarães, Raúl de Carvalho, Natália Correia, Jorge Guimarães,Manuela Machado, Catarina Avelar, Mário Parra, Lurdes Norberto, Agostinho Teixeira e este vosso criado que disse um poema intitulado "Panfleto"  que havia escrito nos idos de 1971.
Com casa cheia e gente de pé  falou-se  e cantou-se  a Liberdade .
35 anos depois ainda recordo o facto com emoção.
Nota: Dada a extensão publicarei o "Panfleto" noutro post.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Memória (2)


                         II

Concentrei-me sobre a máquina de escrever.
Os meus olhos deixaram de ver
e o meu cérebro
                         de pensar
naquele momento deixei mesmo
                                                de amar.
Cada vez mais turva
a retina e a mente
descreviam a curva descendente
para entrar no subconsciente.
E apareceram-me nos lábios frases estranhas
ruídos inaudíveis
                         ecos de entranhas
marcas de um tempo sempre adquirido
na hereditariedade
                            do homem primata
não sei o ano nem a data
mas era humana de certeza
a história que contei
nos gritos que dei
nas palavras que disse em reza.
..................................................................
Voltei a mim
olhei-me ao espelho
estava lívido
e no chão os meus pés rolavam
por sobre pequenas pérolas de fel".

Nota: Os poemas constantes destes postes (Memória 1 e 2) foram republicados
no livro "De Coração na Mão", edição de autor, 1978.
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Memória (1)


Em 19 de Março de 1972, o Jornal do Fundão, do saudoso António Paulouro, procedeu à minha primeira publicação de poemas.

        I.
           Exame real
         específico
              microscópio.

           Uma célula
                 de pensamento
            em reacção
               em suspensão
                      em decantamento.

                Congelamento
  total
                desintegração
    global
              aquecimento
            moderado.
                             Resultado:
                            Ser hialino
                                  microscópico
                                  neuitralizado.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O Conto de João Olhos no Mar



1. João. Ó João...
    Ah, onde é que te meteste filho de um ...
    Ó, João...
    João, vai à "auga".
    Ó, João...
    Vai dar milho às galinhas.
    Arre! Onde se meteu o malandro...
    Ó, João...
    Vai levar o comer ao teu pai.
    Ó, João...
    Vem cá João, olha que apanhas porrada.
    João ...

2. João tem nove anos.
    Nove anos de vida, de lama, de charco, de choro.
    Onde estás tu João? agora pergunto eu.
    João está sentado no alto do açude que fica por detrás da fila de barracas,
    ao fundo da azinhaga.
    João não ouve chamar. João apenas sente o sol bater-lhe de chapa na cara;
    semicerra os olhos para ver mais longe; João não vê as podres casas de madeira
    que se espalham a seus pés; não vê nada que 
    seja miséria; João está cego na sua paisagem mais real.
    Nos seus nove anos, João sonha apenas com um brinquedo qualquer de felicidade,
    mesmo fortuita. 
    João não vê, mas finge ver o mar. Esse mar azul distante como o verde dos seus olhos.
    Que estará por detrás do mar ?
    João não ouve, sonha e não quer despertar.
    Súbito, uma forte cutilada no pescoço lembra-lhe de novo a existência de algo
    mais real e cruel - o  Mundo.
    João sentiu a pancada seca. Olhou de lado e viu a figura da mãe, pesada, corpulenta,
    bestial no tratar, cara enrugada, mas olhos amantes.
    - Então, João, não ouviste chamar ?
    Queres apanhar com o tamanco ?
    Deixa o teu pai chegar e eu logo lhe direi; talvez então ouças melhor ao som da porrada.
    João salta do seu poiso e foge.
    -Anda cá João.
    Tu não ouves ? Anda cá.
    Ai se eu te apanho...
    João...
    João desaparecera, entretanto, atrás do açude.
    A mãe grita, mas já não o consegue ver. Corre. João, no entanto, mais lesto, desaparece.

3. São dez e meia da noite.
    Na barraca ao fundo da azinhaga ainda se encontra aceso o tosco candeeiro a petróleo.
    João ainda não apareceu.
    Entremeando o choro gritado da mães ouvem-se as palmadas secas do pai que,
    meio embriagado - pois à saída do trabalho tinha ido com os amigos - dá largas à sua
    loucura agredindo a pobre mulher.
    Que fazer?
    Esquisita forma de mostrar carinho e temor. No meio da pancada, da brutalidade,
    aqueles dois seres, nos gestos quase primitivos, demonstram o seu carinho e o seu cuidado
    pelo filho desaparecido.
    A algazarra atrai os vizinhos.
    Em frente da casa de madeira e zinco, e lata, e lama, uma pequena multidão de homens,
    mulheres e crianças assiste, confirma e opina sobre o acontecimento.
    Ao fim de meia hora, a história contada aos que a pouco e pouco vão chegando é uma
    sombra da realidade :
    "João fugira de casa aliciado por um homem de vida duvidosa e que o levara não sei para onde
    para fazer não sei o quê".
    Era difícil a toda aquela gente pensar noutra hipótese. João nunca fugiria porque uma criança
    não pode fugir ; porque a criança só tem de obedecer e construir-se a mesma sombra
    que os pais se construíram.   
    Quase uma imposição de clã.
    Entretanto a mãe chorava, o pai batia, os vizinhos assistiam e João não aparecia.
    Opina uma velha :
    - Vão à polícia, ao hospital ...
    - É isso, é isso ...
    Pai e mãe correm porta fora, rompendo entre os circunstantes.
    É preciso encontrar o seu João.

4. Fizera-se manhã.
    João não aparecera. Nada na polícia, nem no hospital.
    O certo é que também não haveria muito por onde procurar numa terra do interior.
    João não voltara. O pai pedira ao sargento da Guarda para indicar para todo o lado
    que o filho tinha desaparecido.
    Passaram-se dias e nada.
    Era agora a mãe que ia ao poço e levava a lancheira ao marido, lá para cima, para as obras,
    e quem deitava o milho no charco das galinhas.
    Era agora a mãe que fazia aquilo tudo e sem gritar.
    O pai, ainda mais bêbado -  saía sempre do trabalho com os amigos -, e à noite... pobre mulher ...
    João não voltava.
    Dias depois, num jornal da capital, com uma fotografia de uma criança, escrevia-se a notícia :
    "Foi encontrada nesta cidade, a dormir no cais de mar, uma criança que aparenta ter
    a idade de nove anos e diz chamar-se João.
    Recolhida pela Instituição ... aguarda que alguém de família a venha buscar.
    Perante as averiguações feitas deve tratar-se de um caso de fuga do lar.
    Quaisquer indicações sobre a sua identidade deverão ser comunicadas para...".
    Pobre João. Muito pobre João.
    Fugiste no teu sonho real de olhar o mar e encontraste-o.
    Meu pobre João de olhos verdes no azul do mar longínquo.
    Olhaste o mar, nada mais.
    Amanhã voltarás à tua barraca de madeira e zinco, e lata, e lama .. e lágrimas.
    Mas não esqueças, João, que os sonhos das crianças são reais em parte.
    Descobre o que falta de real ao teu sonho e serás UM HOMEM.
    E se, entretanto, tiveres de chorar, chora.
    Chora e sem vergonha, que um homem, não deixando de ser homem, também chora.
    E sobretudo recorda :
    Que as lágrimas dos teus olhos verdes no azul do mar longínquo são a esperança,
    são a seiva que torna  as árvores fortes.

Nota: O presente conto foi publicado em 29 de Maio de 1976, no suplemento de fim-de-semana nº.17, do jorna "o diário", conforme imagem  no post "O Princípio".
Em 1978 é republicado no livro " De coração na mão", edição de autor.

  
   






segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010